3.1.10

Pirenópolis: 2009-2010

Não sei como a idéia de passar o Réveillon em Pirenópolis passou pela minha cabeça, mas o negócio é que ela veio e ficou. Nunca fiz muita questão de Réveillon. Nunca fiz questão de datas comemorativas. Pareço insensível, mas para mim todo dia é como qualquer outro dia. Mas depois de tanta coisa diferente que resolvi encarar esse ano, porque não passar o réveillon de forma diferente, ou seja, comemorando como todo mundo?


Acho que foi assim que Pirenópolis surgiu na minha cabeça. Nunca tinha ido a Pirenópolis. Talvez tenha, quando eu era pequena o bastante para apagar qualquer lembrança da cidade na minha memória. Mas a questão é que eu não conhecia Pirenópolis, uma cidade histórica interessante, com bastantes cachoeiras ao redor e que fica há apenas duas horas da minha cidade Natal. Falei a idéia pro meu irmão ainda em outubro, despreocupadamente, tentando averiguar se alguém se arriscava a ir comigo. Ele, que tinha visitado a cidade recentemente, achou interessante a idéia de ir. Mas se fosse só nós dois seria chato, o legal é ter gente junto. Mas quem iria com a gente?

Pensei nos meus amigos de São Paulo. Honestamente, não lembro da última vez que passei réveillon com os amigos. Isso já aconteceu? Meus amigos de Brasília sempre viajavam no fim de ano para ver suas famílias e, quando eu fui para São Paulo, era eu quem viajava no fim do ano. Pensei quem, em São Paulo, teria interesse o suficiente para viajar para o cerrado, apenas para ficar alguns poucos dias em mormaço. Recorri a dois amigos próximos - tão próximos que um divide o apartamento comigo. Nem Tutu, nem o Leandro deram certeza, mas coagitaram a idéia.

Quando Dezembro chegou, ninguém havia dado certeza. Já estava pensando na possibilidade de passar o réveillon ao lado dos mendigos da rodoviária de Brasília, distribuindo prosseco de má qualidade para todo mundo que passasse. O Leandro chegou a conversar comigo sobre algumas idéias, mas não fixávamos nada. De repente, num dia, recebo a mensagem do Leandro: "Hoje peguei o Tutu de jeito e compramos as passagens. Vamos para Pirenópolis"

Não lembro quando marcamos as datas, não lembro como arrumamos os esquemas, não lembro nem quando reservamos o quarto da pousada - Pousada da Lara, simples mas aconchegante - só sei que foi tudo feito de última hora. Às 23h do dia 30/12 os meninos chegaram em Brasília, e às 10h (ou um pouco mais tarde, tanto faz) partimos, de carro, rumo a Pirenópolis.

Não tinhamos muita idéia do que fazer quando chegamos à cidade. Ela estava lotada. Réveillon em Pirenópolis é muito comum para os jovens desocupados da região, e me incluo neles. Fomos para a famosa Rua dos Lazeres, uma rua repleta de bares do começo ao fim. Estava garoando, mas ainda tinha uma quantidade razoável de gente nas mesas da rua. Um grupo de mulheres, possivelmente paulistas, cantavam todas as músicas de um "digno" repertório popular, acompanhadas apenas de um pandeiro - e sempre errando o tom.

Ao pensar sobre o que faríamos na virada, tivemos certeza de que não queríamos ficar na cidade acompanhada daquelas centenas de adolescentes embriagados, dos bombados e piriguetas pulando nos carros de som que custaram mais caro do que suas próprias casas. Nenhum de nós quatro somos pessoas de agito, entende? Ainda mais desse tipo de agito. Alguns dias antes da viagem, o Leandro tinha mando a sugestão de uma cachoeira que estava organizando um réveillon interessante. Ligamos para o local, Cachoeira Nossa Senhora do Rosário, e os donos nos deram informações sobre o pacote pro réveillon: ceia, prosseco, uma paisagem maravilhosa e um ritual para tirar as coisas ruins do ano que passava (esse livra-uruca me pareceu bem interessante). Eles ofereciam transporte, mas se você fosse com o seu próprio veículo o preço era, obviamente, mais barato. Nós estávamos com o carro do meu irmão, então não pensamos na possibilidade de pagar transporte. Pedimos para que reservassem nosso nome, o local de réveillon estava decidido.

Se tem uma mania que eu não consigo me adequar nas passagens de ano é essa tal história de se vestir de branco. Acho hipocrisia, por ser uma convenção e não apenas um desejo de Paz realmente. Por isso não me sinto culpada em me vestir de outras cores. No passado eu, que não acreditava em esse negócio de atrair as coisas através das cores, não me importava de me vestir de cinza ou preto. Mas, coincidência ou não, o ano de 2009 trouxe tudo aquilo que a cor que eu usei na virada para esse ano prometia trazer. Talvez arriscar de novo nesse lance não fosse baboseira total.

Escolhi usar amarelo. É, ainda acho usar o branco uma hipocrisia. E seria ainda mais hipocrisia se eu usasse. Permito-me ser egoísta o suficiente para afirmar quem em 2010 o que eu quero mesmo é dinheiro! Se em 2009 eu me permiti gastar, em 2010 eu vou ter que pagar as contas da gastança. Então, sim, que a tal roupa amarela me traga muito dinheiro em 2010.

Continuando, sobre o réveillon.

Quando saimos da pousada ainda chovia. Não apenas garoava, como antes, chovia. À princípio nos perdemos. Guiados por um guarda confuso, seguimos por uma rodovia que nos levava a uma estrada de terra assustadora. Nossa cabeça recheada com as idéias macabras dos filmes de terror que não cansamos de assistir logo associou um cenário ao outro. Falamos de E.T.s, zumbis, estupradores canibais e de macacas lésbicas mercenárias. Mas logo, através de uma ligação de socorro ao meu pai (que de sua casa acessava o Google Maps), descobrimos que estavamos no caminho errado. Completamente errado. A estrada correta seguia a direção oposta daquela a qual nós estávamos.

Tivemos de voltar para Pirenópolis. A chuva tinha acabado com toda a iluminação e a cidade estava num breu, mas isso não impedia a agitação do fim do ano. Ainda eram 22h e a cidade estava eufórica. Os adolescentes embriagados já vomitavam pelos cantos e cheguei a imaginar o cheiro nada agradável que a cidade teria ao amanhecer. Um grupo de jovens musculosos e sem camisa se emplumavam na rua, ao redor de um carro decorado com luzes neons. Mulheres de micro shorts choacoalhavam as nádegas e cambaleavam pelas ruas. A cena era deprimente. Todos estavam molhados por causa da chuva e ainda lotavam a rua, impedindo que os carros (que queriam fugir de toda aquela bagunça) passassem.

Após algumas manobras e contra-mãos, conseguimos sair da muvuca e pegamos a estrada certa. Era bem mais longa do que a outra. E bem mais perigosa. Meu irmão corria a 110km, o que parecia perigosíssimo diante das curvas arriscadas e da chuva que não parava de cair. O fato de estar completamente vazia também não aliviava. Pensei nas manchetes dos jornais do dia seguinte: "Quatro jovens morrem em acidente de carro na estrada durante a virada. Salvamento não chegou à tempo". Fúnebre, eu sei, mas não parecia impossível.

A estrada de terra que tinhámos de pegar para chegar à cachoeira não era menos assustador que a outra a qual enfrentamos. Logo a conversa sobre sermos atacados por macacas lésbicas nos voltou à mente. O carro do meu irmão, um pequeno Peugeot 206, enfrentava as poças enlamadas corajosamente. Eram 9km de terra interminável, mas estávamos animados. Subimos a serra e tivemos um gostinho da vista que presenciariamos quando chegassemos ao local.

Faltavam apenas 3 km e já avistávamos as luzes acesas da festa quando nos deparamos com uma placa apontando para a direito e dizendo "O rio é menos fundo por aqui". Rio? Sim, topamos com um riacho que cortava a estrada. Paramos o percurso. Não sabíamos o quão fundo era o rio e não podiamos arriscar-nos a jogar o carro na água e passar o réveillon esperando o guincho. Aliás, como chamariamos um guincho se não havia sinal de celular? Sendo assim, não podiamos chamar os donos da cachoeira para nos salvar/para xingá-los por não terem nos avisado que havia um rio cortando o caminho. Para piorar, o carro atolou na margem. Quando conseguimos tirá-lo de lá (graças ao Tutu e meu irmão, diga-se de passagem, visto que eu e o Leandro não fizemos nada a não ser incentivar e tirar fotos), já não havia mais tempo de voltar para a cidade se encaixar em alguma festa. Já eram 23h.

A idéia de passar o réveillon por lá mesmo, no meio da estrada de terra, não pareceu mal a ninguém. Como que por milagre, havia parado de chover e a lua brilhava no céu, garantindo uma boa iluminação da serra. Ao nosso redor, um milharal e uma campina iluminada por vagalumes. Tudo aquilo era muito mais bonito do que uma copacabana lotada que eu só vira pela TV.

Subimos até o topo da serra e ficamos observando de lá. O silêncio aconchegava e assustava, mas a visão da serra era hipnotisante. Por sorte tinhamos levado uma garrafa de prosseco que haviamos comprado em Brasília, então daria para brindar a virada. Cada coisa que acontecia assustava e divertia. Os E.T.s, os zumbis, os estupradores canibais e as macacas lésbicas alimentavam a nossa fantasia.

Nem percebemos que o tempo passava quando ouvimos o estouro. O prosseco havia sido aberto por acidente. Mas logo tal estouro foi seguido por outros vários: ao longe, no céu, os fogos de artíficio eram estourados pelas cidades ao redor. As nuvens baixas, ainda carregadas, não nos permitia ver com clarez, mas conseguiamos enxergar alguns lampejos. Já era o suficiente. Era mais que o suficiente. Era lindo e inesquecível.

Creio que nunca cheguei a passar um réveillon como esse. Em anos passados, réveillon me emburrava. A idéia de colocar uma roupa bonita, pagar uma fortuna para entrar numa festa privada e enxer o saco de pessoas que não conheço apenas para beber prosseco e ver os fogos e, então, voltar para casa para recomeçar um dia como qualquer outro, não era boa idéia para mim. Mas do alto daquela serra, o réveillon parecia diferente. Pela primeira vez essa comemoração pareceu algo que realmente importava, que realmente poderia mudar as coisas. Não acredito que vá mudar, mas foi bom ter essa esperança. Esperança que quero guardar esse ano.


E para todos,
Best wishes for 2010~

2 comentários:

Victor L. disse...

Nossa, que texto perfeito. Ótimo registro de uma viagem que não esquecerei.

Muito bom passar por tudo isso contigo, maninha ladra-de-maumau ;p

Um bom 2010 para nós!

Willians de Sousa disse...

Olá Camilla,
Willians de Sousa, 24 anos, Brasiliense e Sagitariano.

Adorei seu texto. Gostei mais ainda porque de certa forma me identifiquei com ele, tirando atolar o carro no meio do serrado..(risos).
Também não sou muito fã de multidões e badernas, prefiro até não viajar em alta temporada.
Muito estressado com tudo e qualquer coisa, inclusive Brasília, me dei conta que precisava urgente repor minhas energias e uma boa dose de positividade, "Achei". Tão perto, e pela primeira vez fui a Pirenopolis nesse ultimo final de semana, como um tiro certo achei tudo que estava procurando. A cidade tem um charme magnífico durante a noite, às cachoeiras de águas cristalinas oferecem uma paz sem igual.
Próxima oportunidade aconselho ir a Pirenopolis em baixa temporada, creio que vai gostar muito, muito mais.
Abraço

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