15.7.10

Um relato insatisfeito contra a "Urgência"

Urgência. Palavra derivada do verbo urgir, que segundo o Dicionário Aurélio (Houaiss, Michaelis, Priberam, Wikcionário...) pode significar perseguir com proximidade, estar iminente, instar, entre outros significados que não vêm ao caso.

Pois bem, estou aqui na minha casa que não é meu lar, diante de um computador estranho aos meus hábitos, em constante Urgência. Tenho 22, no entando pareço 80 à espera iminente de um ataque cardíaco. Existe aqui aquela vontade (urgente) de sair pra conhecer o mundo, ler todos os livros, conhecer as pessoas mais estranhas, salvar as baleias e os ursos polares. Porém, aqui me encontro e o máximo que faço é fumar um cigarro escondida na varando do meu não-lar. Às vezes também leio algum gibi.

Talvez o efeito das minhas pílulas de felicidade se esgotaram. Ou talvez, quem sabe, não consigo me contentar com a idéia de estar inserida no mundo onde nada acontece. Férias. Humpf. Clamei tanto por ela e agora me ponho a reclamar.

Essa urgência toda não me faz bem. Me dá taquicardia, como se eu fosse a tal velha de 80 anos que sinto ser. Mas acredito que uma velha de 80 anos, esperando a morte, não se contente em apenas fumar cigarros em varandas. Pelo menos, no meu imaginário ideal, a velha subiria na lomba de uma mula e faria uma rota que iria do deserto do Atacama ao Peru. Passasse pelo Equador e, então, Colômbia. Panamá? Não, não. Já basta. Vende a mulinha pra pagar o seu enterro em Bogotá.

Ah, urgência! Quem foste a hedionda criatura que te criou? Foste Deus? Foste esse Canalha? Quem me dera poder botar as minhas mãos em seu Santo pescoço para poder esganar esse Glorioso Patife e, de sua garganta, retirar suas súplicas e desculpas. Dize-me, urgência, por que me torturar? Por que não me deixas contentar em apenas ler gibis? Urgência, cretina! É assim que mereces ser nomeada. Abandones meu corpo e minha alma, permita-me sentir o que é ser livre de ti, pois desde infanta não conheço outra sensação que não esteja sobre sua constante vigilância. Urgência, tu, te invoco mais uma vez para dizer-te tais derradeiras palavras:

Eu quero que vás para o Puto que te pariu!

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12.2.10

Rei destronado

A vasta extensão de areia e as divertidas construnções coloridas não eram apenas um parque para as crianças de um bairro de classe média bem localizado. Para seus usuais habitantes, era um reino. Um próspero reino de areia, com não só um, mas vários reis.

Com suas coroas de lama e de arranhões, um grupo de mais ou menos cinco garotos moleques era quem comandava o povo do reino de areia do alto de sua castelo aramado. Eram reis, pois se comportavam como reis e eram admirados como tais. Ousados, eram os únicos que desafiavam escalar a construção aramada até o topo, a qual conquistaram e a transformaram em seu castelo. As demais crianças, o povo desse reino, os respeitavam por suas intermináveis demonstrações de coragem e pelo carisma incontestável de suas ações, mas também os temiam - elas conheciam bem o autoritarismo de seus monarcas. Qualquer um que desobedecesse aos reis moleques era banido do reino de areia e condenado a passar o resto da infância nos bancos da praça, ao lado das babás com bebês chatos e chorões.

Guilherme não era rei. Tímido, franzino e frágil, não possuia, como os outros, uma coroa feita pelas marcas da molecagem. Possuia, na verdade, um cabelo de cuia, cuidadosamente cortado por sua avó nos finais de semana, e roupas impecáveis, as quais a mãe insistia para que não as sujasse ou rasgasse. Era avesso às farras e às aventuras do povo do reino, e preferia a solitária companhia de seu videogame portátil a compartilhar a gangorra com qualquer uma das outras crianças. Tais caractéristicas o fazia ser lembrado mais como um melancólico bobo da corte do que como um rei. Passava o dia mudo, observando e invejando os reis.

Certa vez, Guilherme desafiou escalar o castelo aramado. Queria ele mostrar que poderia ser rei também. Mas escorregou assim que tirou o segundo pé do chão, e se espatifou na areia, para o divertimento de todos que viram a cena. Os reis riram e apontaram, afirmando sua condição: Guilhereme era apenas um bobo da corte, nunca poderia ser rei.

No final de uma tarde de Carnaval, Guilherme foi visitar o reino de areia , acompanhado pela sua solidão. Nem o povo, nem os reis estavam lá. O reino estava abandonado. O menino magrela e sem arranhões era o único naquela vasta extensão de pó amarelado.

Sentou-se em um balanço e pôs-se a mover lentamente, enquanto observava o castelo a qual um dia desafiara sem sucesso. O castelo aramado, de onde os reis a tudo comandavam. Completamente só, a idéia de escalar o castelo voltou-lhe à mente. Era carnaval, lembrou ele. Carnaval: quando os bobos também podem virar reis.

Em um pulo, saiu do seu entediante balançar e se agarrou à armação de metal do castelo. Começou a escalada, com receio. Prendia-se nas barras com toda a força que tinha em seu frágil corpo e escalava rumo ao topo. Queria ficar cada vez mais longe do chão, daquele ingrato chão do qual nunca saíra. Queria sentir a briza do topo daquele castelo. Queria sentir a liberdade que um dono do mundo sente. Queria ser rei, rei daquele reino de areia. Era carnaval, lembrava, ele também poderia ser rei. Prendeu-se a uma barra vermelha e, num impulso, chegou ao topo. Guilherme conquistara, enfim, o castelo aramado. Em uma tarde de carnaval, o bobo tornou-se rei.

Maravilhado, observou o reino o qual agora era dono. A vasta extensão de areia, as constuções coloridas, os bancos da praça, as árvores e até mesmo a distante banca de jornal: tudo aquilo pertencia a ele, o ex-bobo e agora rei coroado.

Contagiou-se pela briza do topo do castelo e por sua recém-adquirida coragem. Coragem esta que o permitira ser rei numa tarde de carnaval. Pôs-se a gritar, a berrar, a urrar. Exclamava sua ousadia, sua afirmação de monarca. Era dono do mundo, era dono do reino de areia. Dançava. Dançava contagiado pela sua conquista e pela sua liberdade. E na dança, desequilibrou-se. Desequilibrou-se e caiu.

Num baque surdo, Guilherme voltou ao pó. Ao pó amarelo, das areias do parque. Ao pó a qual sempre pertencera. Voltou a ser ao que era: um bobo melancólico, agora estirado ao chão de areia. Mas fora rei. Um rei feito numa tarde de carnaval, e destronado pelo seu castelo aramado.

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8.2.10

Cabelos vermelhos

Num bar aqui perto trabalhar uma senhora com cabelos ridículamente avermelhados. Ela já deve ter lá seus 50, ou quase 60 anos, mas ela continua mantendo os cabelos curtos, repicados e ridiculamente vermelhos.

Sempre que nos sentamos na mesa do bar, nós acenamos diretamente pra ela, pedindo para que venha nos atender. Ela olha em nossa direção e, mesmo com o seus óculos de grossas lentes (que tornam seus olhos exprimidos em duas bolas neuróticas), ela não nos vê. Ela olha e não vê. Quando finalmente conseguimos fazer com que ela venha até a mesa, após muito esforço, ela parece também não nos ouvir. Repetimos o pedido: Cerveja, obviamente, e da mais barata. Ela acena com a cabeça e volta para dentro do bar. E lá fica, sem se mover, observando o magnífico nada que se encontra no horizonte. Esqueceu-se completamente dos sedentos por álcool que se encontram a alguns passos adiante.

A verdade é que aquela senhora me entretem. Me diverte, de verdade. Ela parece viver num mundo mais irreal que o meu próprio. Toda vez que a vejo observar o nada, apoiada em algum canto com seus cabelos vermelhosamente ridículos, ponho-me a imaginar como aquela senhora realmente é, além dos seus surdos acenos de cabeça e de seus cabelos (que, como já disse, são vermelhos, e ridículos).

Imagino a sua casa, como seria. Ela deve ter um daqueles relógios cafonas pendurado na parede. Um daqueles relógios enfeitados com passarinhos de várias espécies, em posições harmoniosas e perfeitamente poéticas para um louco. Deve também ter uma mesa, encostada estratégicamente no centro da parede da sala, repleta de diversos tipos de estatuetas barrocas talhadas em madeira, as quais julga serem bastante atraentes pois ignora a dualidade agonizante em que há nas tais peças. Suponho que as paredes sejam amarela. Um tom claro de amarelo... Amarelo-nicotina. O tapete redondo no centro da sala fora escolhido em uma feira hippie por ser o mais colorido e o mais odioso. Não há TV, nem rádio. Há apenas uma pequena estante no canto com alguns poucos livros de assuntos diversificados e incomuns.

Ela deve ser solitária. Imagino que seja, sim, mas não imagino bem a causa. Talvez ela não saiba conviver com o mundo, ou talvez o mundo não saiba conviver com ela. Ou talvez um pouco dos dois. Possivelmente, uma mistura desses dois. Por isso é só. Suas estatuetas de madeira devem ser as suas únicas e melhores companhia.

Tenho simpatia por essa senhora. Não só por ela me entreter e por eu achar divertido supor a sua vida imaginária. Simpatizo pela nossa semelhança. Pela nossa falta de adaptação a um mundo a qual não pertencemos e que não queremos pertencer. Somos iguais em nossos diferentes aspectos. Eu também tenho cabelos ridiculamente vermelhos, escondidos por um sóbrio tom de marrom.

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11.1.10

Ouvindo os 1001 Discos (Parte 1): Sinatra e Elvis

Há algum tempo atrás, aproveitando a visita do meu irmão, fomos à Livraria Cultura e cada um de nós comprou um livro. Ele comprou o 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer. Já eu comprei o 1001 Discos para Ouvir Antes de Morrer. Ambos os livros são uma seleção de filmes e discos, escolhidos por vários respeitados críticos e profissionais da área, que marcaram época pelo seu sucesso ou pela sua qualidade. Pouco depois, meu irmão volta para Brasília e a notícia: ele e a namorada eram loucos o suficiente para assistir todos os 1001 filmes recomendados pelo livro, e em ordem crongológica! Por mais megalomaníaca que tenha sido a idéia dos dois, eu gostei e quis fazer isso também (e, convenhamos, é mais fácil ouvir 1001 discos do que ver 1001 filmes).

Porém, a falta de tempo me desanimava e só de pensar na dificuldade que teria para achar todos os discos já começou a afastar a idéia da minha cabeça. Eis que, então, encontro esse link com todos, absolutamente todos os discos que o livro recomenda para baixar. E aqui encerro a introdução, para dar início à ação: pretendo escutar, sim, todos os 1001 discos, e pretendo fazer isso antes de morrer (haha, sacaram a piada?).


O livro faz uma seleção em ordem cronológica, iniciando com os discos lançados na década de 50, mais precisamente, pelo ano 1955. Embora isso me deixa triste ao pensar que valorosos discos de jazz, blues e barbershop music (atóron!) tenham sido deixados de fora da lista, entendo os motivos: foi só a partir da década de 50 que o LP passou a ter visibilidade e o formato álbum começou a ter o seu conceito definito. Antes disso, os álbuns eram apenas uma pequena coletânea de 5 ou 6 singles de sucesso de um artista. Com o LP, os músicos viram a possibilidade de se gravar, em uma bolacha, diversas músicas e com boa qualidade. Surgia, assim, o conceito de álbum que usamos até hoje. E, por isso, não foi surpresa minha que a lista comece justamente com um álbum conceitual de Frank Sinatra.


0001.In The Wee Small Hours (1955)
Frank Sinatra
Produção: Voyle Gilmore
Selo: Capitol


1. In the Wee Small Hours of the Morning
2. Mood Indigo
3. Glad to Be Unhappy
4. I Get Along Without You Very Well (Except Sometimes)
5. Deep in a Dream
6. I See Your Face Before Me
7. Can’t We Be Friends?
8. When Your Lover Has Gone
9. What Is This Thing Called Love?
10. Last Night When We Were Young
11. I’ll Be Around
12. Ill Wind
13. It Never Entered My Mind
14. Dancing on the Ceiling
15. I’ll Never Be the Same
16. This Love of Mine
O primeiro álbum de Sinatra lançado no formato LP completo de 12" foi também considerado o seu primeiro álbum conceitual. Todas músicas giram em torno do tema de separação, aparentemente motivadas pelo então recente fim do romance entre o cantor e a atriz Ava Gardner. A belíssima faixa de abertura, "In The Wee Small Hours Of The Morning", já dá o tom melancólico e solitário que se dará na maioria das canções seguintes. O tema da separação se apresenta das mais diversas formas, das mais acusadoras, como em "I'll Wind" e "Glad To Be Unhappy", como também na forma de desesperança e morbidez, como se apresentam nas faixas "I'll Never Be the Same", "This Love Of Mine" e "When Your Lover Has Gone". A animada "Moon Indigo", original de Duke Ellington, ganha um peso com a voz grave e arrastada de Sinatra, quase como se mostrasse que a dança e alegria contida na letra fossem apenas saudades de um tempo que se passou. Já a fofa "I'll Be Arround" carrega um pouco daquele esperança do pós-separação, onde se espera que a pessoa mude de idéia e volte atrás com o rompimento. Porém, os melhores momentos do álbum se encontram nas faixas recheadas de lirismo, como na romântica "Dancing On The Ceiling", "Deep In A Dream" e na minha favorita: "Last Night When We Were Young", onde se aborda perfeitamente a sensação do fim de um amor. Depois desse álbum, fica difícil lembrar daquela imagem comum de Frank Sinatra sendo aquele malandro boa-pinta. O que me vem à cabeça é um Sinatra solitário, vagando pelos escuros becos de Los Angeles enquanto fuma um cigarro, tal como a arte da capa desse álbum sugere.


0002. Elvis Presley (1956)
Elvis Presley
Produção: Não consta
Selo: RCA


01. Blue Suede Shoes
02. I'm Couting On You
03. I Got A Woman
04. One-Sided Love Affair
05. I Love You Because
06. Just Because
07. Tutti Frutti
08. Trying To Get To You
09. I'm Gonna Sit Right Down and Cry (Over You)
10. I'll Never Let You Go (Lil' Darlin')
11. Blue Moon
12. Money Honey

O primeiro LP de Elvis Presley não é o que podemos chamar de excelente. Na verdade, muitos críticos afirmam que é um álbum inconsistente, com ainda marcada inexperiência do cantor que ainda estava muito habituado aos seus improvisos no palco, e boa parte das faixas são singles da época que o cantor ainda estava sob contrato da Sun Records. Então por que raios esse álbum entrou nessa lista? Simples, marca o nascimento de um ícone. Sob o selo da RCA, as influências do rock-a-billy do início de carreira, presentes em "Blue Suede Shoes" e "Tutti Frutti" (regravações dos sucessos de Carl Perkins e Little Richard, respectivamente), são deixadas de lada para dar força à influências do country e do blues, como em "I'm Couting On You", "I Love You Because". Alguns conhecedores da música de Elvis dizem que, nesse álbum, está clara a evolução do cantor caipira que iniciou sua carreira em 1953 e que, dentro de alguns anos, se tornaria uma das figuras mais importantes do mundo da música. E de fato, talvez essa evolução tão marcada tenha contribuido para que esse álbum seja tão inconsitente. A voz e o talento de Elvis fica explicito na sua versão rasgada da música de Ray Charles "I Got A Woman", nas oscilações bem delineadas de "Trying to Get to You" e na solidão e melancolia de "Blue Moon".

Na Parte 2, o country de The Louvin Brothers e o jazz de Louis Prima :)!
Créditos: Nobrasil.org

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3.1.10

Pirenópolis: 2009-2010

Não sei como a idéia de passar o Réveillon em Pirenópolis passou pela minha cabeça, mas o negócio é que ela veio e ficou. Nunca fiz muita questão de Réveillon. Nunca fiz questão de datas comemorativas. Pareço insensível, mas para mim todo dia é como qualquer outro dia. Mas depois de tanta coisa diferente que resolvi encarar esse ano, porque não passar o réveillon de forma diferente, ou seja, comemorando como todo mundo?


Acho que foi assim que Pirenópolis surgiu na minha cabeça. Nunca tinha ido a Pirenópolis. Talvez tenha, quando eu era pequena o bastante para apagar qualquer lembrança da cidade na minha memória. Mas a questão é que eu não conhecia Pirenópolis, uma cidade histórica interessante, com bastantes cachoeiras ao redor e que fica há apenas duas horas da minha cidade Natal. Falei a idéia pro meu irmão ainda em outubro, despreocupadamente, tentando averiguar se alguém se arriscava a ir comigo. Ele, que tinha visitado a cidade recentemente, achou interessante a idéia de ir. Mas se fosse só nós dois seria chato, o legal é ter gente junto. Mas quem iria com a gente?

Pensei nos meus amigos de São Paulo. Honestamente, não lembro da última vez que passei réveillon com os amigos. Isso já aconteceu? Meus amigos de Brasília sempre viajavam no fim de ano para ver suas famílias e, quando eu fui para São Paulo, era eu quem viajava no fim do ano. Pensei quem, em São Paulo, teria interesse o suficiente para viajar para o cerrado, apenas para ficar alguns poucos dias em mormaço. Recorri a dois amigos próximos - tão próximos que um divide o apartamento comigo. Nem Tutu, nem o Leandro deram certeza, mas coagitaram a idéia.

Quando Dezembro chegou, ninguém havia dado certeza. Já estava pensando na possibilidade de passar o réveillon ao lado dos mendigos da rodoviária de Brasília, distribuindo prosseco de má qualidade para todo mundo que passasse. O Leandro chegou a conversar comigo sobre algumas idéias, mas não fixávamos nada. De repente, num dia, recebo a mensagem do Leandro: "Hoje peguei o Tutu de jeito e compramos as passagens. Vamos para Pirenópolis"

Não lembro quando marcamos as datas, não lembro como arrumamos os esquemas, não lembro nem quando reservamos o quarto da pousada - Pousada da Lara, simples mas aconchegante - só sei que foi tudo feito de última hora. Às 23h do dia 30/12 os meninos chegaram em Brasília, e às 10h (ou um pouco mais tarde, tanto faz) partimos, de carro, rumo a Pirenópolis.

Não tinhamos muita idéia do que fazer quando chegamos à cidade. Ela estava lotada. Réveillon em Pirenópolis é muito comum para os jovens desocupados da região, e me incluo neles. Fomos para a famosa Rua dos Lazeres, uma rua repleta de bares do começo ao fim. Estava garoando, mas ainda tinha uma quantidade razoável de gente nas mesas da rua. Um grupo de mulheres, possivelmente paulistas, cantavam todas as músicas de um "digno" repertório popular, acompanhadas apenas de um pandeiro - e sempre errando o tom.

Ao pensar sobre o que faríamos na virada, tivemos certeza de que não queríamos ficar na cidade acompanhada daquelas centenas de adolescentes embriagados, dos bombados e piriguetas pulando nos carros de som que custaram mais caro do que suas próprias casas. Nenhum de nós quatro somos pessoas de agito, entende? Ainda mais desse tipo de agito. Alguns dias antes da viagem, o Leandro tinha mando a sugestão de uma cachoeira que estava organizando um réveillon interessante. Ligamos para o local, Cachoeira Nossa Senhora do Rosário, e os donos nos deram informações sobre o pacote pro réveillon: ceia, prosseco, uma paisagem maravilhosa e um ritual para tirar as coisas ruins do ano que passava (esse livra-uruca me pareceu bem interessante). Eles ofereciam transporte, mas se você fosse com o seu próprio veículo o preço era, obviamente, mais barato. Nós estávamos com o carro do meu irmão, então não pensamos na possibilidade de pagar transporte. Pedimos para que reservassem nosso nome, o local de réveillon estava decidido.

Se tem uma mania que eu não consigo me adequar nas passagens de ano é essa tal história de se vestir de branco. Acho hipocrisia, por ser uma convenção e não apenas um desejo de Paz realmente. Por isso não me sinto culpada em me vestir de outras cores. No passado eu, que não acreditava em esse negócio de atrair as coisas através das cores, não me importava de me vestir de cinza ou preto. Mas, coincidência ou não, o ano de 2009 trouxe tudo aquilo que a cor que eu usei na virada para esse ano prometia trazer. Talvez arriscar de novo nesse lance não fosse baboseira total.

Escolhi usar amarelo. É, ainda acho usar o branco uma hipocrisia. E seria ainda mais hipocrisia se eu usasse. Permito-me ser egoísta o suficiente para afirmar quem em 2010 o que eu quero mesmo é dinheiro! Se em 2009 eu me permiti gastar, em 2010 eu vou ter que pagar as contas da gastança. Então, sim, que a tal roupa amarela me traga muito dinheiro em 2010.

Continuando, sobre o réveillon.

Quando saimos da pousada ainda chovia. Não apenas garoava, como antes, chovia. À princípio nos perdemos. Guiados por um guarda confuso, seguimos por uma rodovia que nos levava a uma estrada de terra assustadora. Nossa cabeça recheada com as idéias macabras dos filmes de terror que não cansamos de assistir logo associou um cenário ao outro. Falamos de E.T.s, zumbis, estupradores canibais e de macacas lésbicas mercenárias. Mas logo, através de uma ligação de socorro ao meu pai (que de sua casa acessava o Google Maps), descobrimos que estavamos no caminho errado. Completamente errado. A estrada correta seguia a direção oposta daquela a qual nós estávamos.

Tivemos de voltar para Pirenópolis. A chuva tinha acabado com toda a iluminação e a cidade estava num breu, mas isso não impedia a agitação do fim do ano. Ainda eram 22h e a cidade estava eufórica. Os adolescentes embriagados já vomitavam pelos cantos e cheguei a imaginar o cheiro nada agradável que a cidade teria ao amanhecer. Um grupo de jovens musculosos e sem camisa se emplumavam na rua, ao redor de um carro decorado com luzes neons. Mulheres de micro shorts choacoalhavam as nádegas e cambaleavam pelas ruas. A cena era deprimente. Todos estavam molhados por causa da chuva e ainda lotavam a rua, impedindo que os carros (que queriam fugir de toda aquela bagunça) passassem.

Após algumas manobras e contra-mãos, conseguimos sair da muvuca e pegamos a estrada certa. Era bem mais longa do que a outra. E bem mais perigosa. Meu irmão corria a 110km, o que parecia perigosíssimo diante das curvas arriscadas e da chuva que não parava de cair. O fato de estar completamente vazia também não aliviava. Pensei nas manchetes dos jornais do dia seguinte: "Quatro jovens morrem em acidente de carro na estrada durante a virada. Salvamento não chegou à tempo". Fúnebre, eu sei, mas não parecia impossível.

A estrada de terra que tinhámos de pegar para chegar à cachoeira não era menos assustador que a outra a qual enfrentamos. Logo a conversa sobre sermos atacados por macacas lésbicas nos voltou à mente. O carro do meu irmão, um pequeno Peugeot 206, enfrentava as poças enlamadas corajosamente. Eram 9km de terra interminável, mas estávamos animados. Subimos a serra e tivemos um gostinho da vista que presenciariamos quando chegassemos ao local.

Faltavam apenas 3 km e já avistávamos as luzes acesas da festa quando nos deparamos com uma placa apontando para a direito e dizendo "O rio é menos fundo por aqui". Rio? Sim, topamos com um riacho que cortava a estrada. Paramos o percurso. Não sabíamos o quão fundo era o rio e não podiamos arriscar-nos a jogar o carro na água e passar o réveillon esperando o guincho. Aliás, como chamariamos um guincho se não havia sinal de celular? Sendo assim, não podiamos chamar os donos da cachoeira para nos salvar/para xingá-los por não terem nos avisado que havia um rio cortando o caminho. Para piorar, o carro atolou na margem. Quando conseguimos tirá-lo de lá (graças ao Tutu e meu irmão, diga-se de passagem, visto que eu e o Leandro não fizemos nada a não ser incentivar e tirar fotos), já não havia mais tempo de voltar para a cidade se encaixar em alguma festa. Já eram 23h.

A idéia de passar o réveillon por lá mesmo, no meio da estrada de terra, não pareceu mal a ninguém. Como que por milagre, havia parado de chover e a lua brilhava no céu, garantindo uma boa iluminação da serra. Ao nosso redor, um milharal e uma campina iluminada por vagalumes. Tudo aquilo era muito mais bonito do que uma copacabana lotada que eu só vira pela TV.

Subimos até o topo da serra e ficamos observando de lá. O silêncio aconchegava e assustava, mas a visão da serra era hipnotisante. Por sorte tinhamos levado uma garrafa de prosseco que haviamos comprado em Brasília, então daria para brindar a virada. Cada coisa que acontecia assustava e divertia. Os E.T.s, os zumbis, os estupradores canibais e as macacas lésbicas alimentavam a nossa fantasia.

Nem percebemos que o tempo passava quando ouvimos o estouro. O prosseco havia sido aberto por acidente. Mas logo tal estouro foi seguido por outros vários: ao longe, no céu, os fogos de artíficio eram estourados pelas cidades ao redor. As nuvens baixas, ainda carregadas, não nos permitia ver com clarez, mas conseguiamos enxergar alguns lampejos. Já era o suficiente. Era mais que o suficiente. Era lindo e inesquecível.

Creio que nunca cheguei a passar um réveillon como esse. Em anos passados, réveillon me emburrava. A idéia de colocar uma roupa bonita, pagar uma fortuna para entrar numa festa privada e enxer o saco de pessoas que não conheço apenas para beber prosseco e ver os fogos e, então, voltar para casa para recomeçar um dia como qualquer outro, não era boa idéia para mim. Mas do alto daquela serra, o réveillon parecia diferente. Pela primeira vez essa comemoração pareceu algo que realmente importava, que realmente poderia mudar as coisas. Não acredito que vá mudar, mas foi bom ter essa esperança. Esperança que quero guardar esse ano.


E para todos,
Best wishes for 2010~

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29.12.09

2009

Foi durante a janta que eu percebi: 2009 está acabando. Até então eu não tinha percebido o quão próximo do fim do ano nós estávamos. Esse último mês vinha passando a passos lentos, quase em slow motion. "Engraçado" pensei "Por um momento, achei que esse ano nunca iria acabar".

Não aconteceu nada de extraordinário em 2009. Não consegui o emprego dos sonhos. Não comprei um carro. Não consegui a minha casa própria. Não deslanchei a minha carreira. Não ganhei na mega sena. Não me apaixonei por um jovem bonito, excentrico e milionário e fui morar com ele em sua ilha particular. Tampouco descobri a Atlântida. Em 2009, apenas existi. Exisiti como se fosse a primeira vez que isso me acontecesse.

Não estou dizendo que 2009 foi um ano fácil, tampouco proveitoso. Pelo contrário, caros meus, nunca houve um ano tão difícil de se cruzar quanto 2009. Foi o ano em que enterrei a minha inocência e vi o mundo com os olhos desacreditados. O mundo não era mais um lugar repleto de oportunidades das mais diversas naturezas, era um local desolado e feio. As pessoas não eram mais boas na essência, mas sim, hipocritas e egocêntricas. Tudo que eu julgava ter valor, era medíocre e sem brilho.

Muitas vezes me questionei se gostaria de viver nesse mundo que passei a enxergar. Me questionei se valhia a pena. A resposta ainda não sei qual é. Parei de me questionar há algum tempo. Apenas aceitei encarar. Independente de como o mundo é, de como as coisas e pessoas são, eu teria que seguir vivendo e sabendo viver. Por mais romântica e agradável que seja a idéia da existência do destino, deixei de acreditar nisso. Descobri que eu, e apenas eu, era responsável pelo o que acontece à minha volta. Pelas minhas oportunidades, pelas pessoas à minha volta e pelos meus valores. Eu creio que o simples enfrentamento e a quebra de tantos paradigmas tenham me trazido vivência mais do que qualquer escola jamais me trará.

Lembro que uma vez, enquanto fumava um cigarro, uma moça que eu apenas conhecia de vista veio me dizer o quanto eu havia mudado. "Mudei, é?" questionei. "Os olhos" ela disse "Eles que mudaram". É, acho que mudaram mesmo.

O ano de 2009 passará como qualquer outro ano que foi e que virá. Suas pequenas singularidades serão lembradas positivivamente ou negativamente. Mas se eu fosse traçar a linha do tempo da minha vida, escolheria 2009 como um novo marco zero.

Engraçado como foram necessários anos para eu aprender a viver de novo. Isso é algo que deveria acontecer todo ano. Talvez aconteça. Eu acho que iria gostar.
Que em 2010 o eu de hoje morra. E que nasça outro eu.
Tal como foi em 2009.

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14.12.09

Odeio Segundas-Feiras

Parafraseando Garfield: "Odeio segundas-feiras."

Quando o cartunista Jim Davis fez sua célebre criatura dizer tal frase, talvez nem imaginasse que estava expondo, em uma sentença, o pensamento que milhões e milhões de humanos nesses planetas compartilham.

Odeio segundas-feiras. Ainda mais segundas-feiras como esta de hoje. O frio, o clima fechado e o silêncio melâncólico me fazem pensar que estou num longo e entediante filme noroeguês sobre vidas chatas e insossas.

Repito: odeio segundas-feiras. O pior delas é acordar já lembrando que devo acordar. Gostaria de passar cada minuto desse dia deitada na minha cama, sonhando. Meus sonhos são sempre mais interessantes que a realidade, ainda mais quando, na realidade, estou passando por uma segunda-feira.

Hoje, por exemplo, sonhei que morava de uma ilha que pertencia a mim. Nada muito pretencioso, pois a ilha era menor que o meu quarto, mas era uma ilha agradável. Morava sozinha. Eram apenas eu, a água, e um pequeno coqueiro torto. Desaparecendo no horizonte estava o continente, onde morava o resto do mundo. Era sempre de noite na ilha, mas as estrelas sempre providenciavam luz o suficiente para eu observar o nada. Eu gostava de lá. Provavelmente porque, na ilha, não existiam as segundas-feiras.

Agora preciso sair. Sair para viver o resto da segunda-feira, cuja metade já disperdicei me queixando do fato de ser segunda-feira. Vou comer alguma coisa não muito saudável, conversarei com duas ou três pessoas desinteressantes, sentirei frio enquanto caminho na rua e voltarei para casa.

E então, irei me deitar. Talvez a única hora feliz de uma segunda-feira, pois é o fim da segunda-feira. Fecharei os olhos e dormirei pensando: "Amanhã é terça-feira!!"

... Mas eu odeio terças-feiras.

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