8.2.10

Cabelos vermelhos

Num bar aqui perto trabalhar uma senhora com cabelos ridículamente avermelhados. Ela já deve ter lá seus 50, ou quase 60 anos, mas ela continua mantendo os cabelos curtos, repicados e ridiculamente vermelhos.

Sempre que nos sentamos na mesa do bar, nós acenamos diretamente pra ela, pedindo para que venha nos atender. Ela olha em nossa direção e, mesmo com o seus óculos de grossas lentes (que tornam seus olhos exprimidos em duas bolas neuróticas), ela não nos vê. Ela olha e não vê. Quando finalmente conseguimos fazer com que ela venha até a mesa, após muito esforço, ela parece também não nos ouvir. Repetimos o pedido: Cerveja, obviamente, e da mais barata. Ela acena com a cabeça e volta para dentro do bar. E lá fica, sem se mover, observando o magnífico nada que se encontra no horizonte. Esqueceu-se completamente dos sedentos por álcool que se encontram a alguns passos adiante.

A verdade é que aquela senhora me entretem. Me diverte, de verdade. Ela parece viver num mundo mais irreal que o meu próprio. Toda vez que a vejo observar o nada, apoiada em algum canto com seus cabelos vermelhosamente ridículos, ponho-me a imaginar como aquela senhora realmente é, além dos seus surdos acenos de cabeça e de seus cabelos (que, como já disse, são vermelhos, e ridículos).

Imagino a sua casa, como seria. Ela deve ter um daqueles relógios cafonas pendurado na parede. Um daqueles relógios enfeitados com passarinhos de várias espécies, em posições harmoniosas e perfeitamente poéticas para um louco. Deve também ter uma mesa, encostada estratégicamente no centro da parede da sala, repleta de diversos tipos de estatuetas barrocas talhadas em madeira, as quais julga serem bastante atraentes pois ignora a dualidade agonizante em que há nas tais peças. Suponho que as paredes sejam amarela. Um tom claro de amarelo... Amarelo-nicotina. O tapete redondo no centro da sala fora escolhido em uma feira hippie por ser o mais colorido e o mais odioso. Não há TV, nem rádio. Há apenas uma pequena estante no canto com alguns poucos livros de assuntos diversificados e incomuns.

Ela deve ser solitária. Imagino que seja, sim, mas não imagino bem a causa. Talvez ela não saiba conviver com o mundo, ou talvez o mundo não saiba conviver com ela. Ou talvez um pouco dos dois. Possivelmente, uma mistura desses dois. Por isso é só. Suas estatuetas de madeira devem ser as suas únicas e melhores companhia.

Tenho simpatia por essa senhora. Não só por ela me entreter e por eu achar divertido supor a sua vida imaginária. Simpatizo pela nossa semelhança. Pela nossa falta de adaptação a um mundo a qual não pertencemos e que não queremos pertencer. Somos iguais em nossos diferentes aspectos. Eu também tenho cabelos ridiculamente vermelhos, escondidos por um sóbrio tom de marrom.

Um comentário:

Edu Frin disse...

Bonito texto, Camila
Beijo,
Frin

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